Bianca Persici Toniolo

Nome Bianca Persici Toniolo

Idade 42 anos

Instituição LabCom, Universidade da Beira Interior

Área de investigação Comunicação Estratégica; Comunicação de Risco e Crise; Comunicação de Governo; Comunicação Política

Como começou o teu percurso como investigadora? Algum acontecimento ou evento particular suscitou o teu interesse pela área da investigação que atualmente desenvolves?

O meu percurso como investigadora começou quando, em 2017, após mais de quinze anos dedicados às relações públicas – a maioria dos quais à comunicação de governo nas esferas municipal, estadual e federal brasileiras –, decidi voltar à universidade no papel de mestranda. Talvez por ter dedicado grande parte da minha vida profissional à comunicação de governo, acumulei muitas indagações sobre alguns fenómenos comunicativos nesse setor que, provavelmente, apenas por meio da investigação científica poderão ser respondidas. Uma das mais intrigantes é, sem dúvida, a dicotomia entre comunicar para proteger a população versus comunicar para proteger a reputação política em situações de risco e crise. Já de partida, a minha investigação doutoral procura conceitualizar esses dois termos e identificar o que as distingue. Foi assim que, desde o início do mestrado em Comunicação Estratégica na Universidade da Beira Interior (UBI), direcionei o meu percurso para a área da comunicação de risco e crise no contexto público.

Podes apresentar-nos um pouco da tua produção científica enquanto investigadora? Tens sido especialmente influenciada por algum/a autor/a e/ou tradição teórica?

A comunicação de risco e crise é uma área relativamente nova no campo das Ciências da Comunicação. Nascida nos estudos sobre os impactos das crises na reputação das organizações privadas, raros são os modelos para a gestão da comunicação adequados para situações de desastres naturais, como os incêndios florestais, ou para as especificidades da comunicação governamental. Assim, os conceitos em que baseio a minha abordagem teórica vêm, sobretudo, das escolas europeias e americanas. Destaco, entre os meus autores de referência, Finn Frandsen e Winni Johansen, da Aarhus University (Dinamarca), Audra Diers-Lawson, da Kristiania University College (Noruega), Timothy Sellnow e Deanna Sellnow, da University of Central Florida (EUA), e Timothy Coombs, da Texas A&M University (EUA). Neste domínio, publiquei, como autora principal, Quando o emissor é a mensagem: a comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa nos incêndios de 2017 (2020), e, como coautora, Em quem confiam os portugueses? A gestão da comunicação governamental na pandemia Covid-19 (2021), ambas na Revista Comunicação e Sociedade (CECS, UMinho). No momento, estou trabalhando num capítulo para o livro Risk and Crisis Communication in Europe: A Definitive Guide to Pan-European Scholarship and Practice (Routledge) sobre a relação entre as fontes de informação e a confiança dos cidadãos na gestão da comunicação governamental de risco e crise. A relação completa das minhas publicações está disponível no Ciência Vitae.

Qual foi o ponto de partida para o projeto de doutoramento que desenvolves? Fala-nos um pouco sobre ele.

Como dissertação do mestrado, realizei um estudo sobre a comunicação de crise do presidente Marcelo Rebelo de Sousa durante os incêndios florestais de 2017, orientado pela professora Gisela Gonçalves. Este trabalho acabou por ser premiado como best student paper na 10th International Crisis and Risk Communication Conference (ICRCC). A investigação realizada para a obtenção do título de mestre despertou a minha curiosidade sobre como o governo português comunica este que é um problema recorrente no país: os fogos rurais. 

Mundialmente, as alterações climáticas aumentaram o risco de desastres naturais e Portugal não é uma exceção. Na verdade, o aquecimento global tem criado condições favoráveis para um grande número de incêndios rurais muito graves, como vimos em 2017 e no último verão. Acredito que uma chave para reduzir os riscos está no comprometimento permanente do governo com as florestas, um processo que envolve políticas públicas fortes e, necessariamente, modelos de comunicação focados na proteção das pessoas. 

É objetivo da investigação doutoral propor um novo modelo que permita às organizações públicas desenvolverem uma comunicação mais centrada na proteção da população do que na proteção da reputação política. De uma forma muito resumida, o modelo sugere uma comunicação contínua entre o governo e a população a partir da emissão de um conjunto de mensagens que segue o padrão cronológico dos incêndios florestais em Portugal. Para além da sua aplicação à comunicação do governo português em relação aos fogos rurais, o modelo também pode ter implicações para o planejamento e a tomada de decisões na comunicação de risco e crise em qualquer tipo de desastre natural de origem meteorológica, pois permite a sua adaptação à ocorrência de diferentes fenômenos causados e/ou intensificados pelas mudanças climáticas (enchentes, tornados, tempestades) não apenas em Portugal, mas também em diferentes regiões do planeta.

Quais os principais desafios que encontraste no doutoramento e/ou no percurso enquanto investigadora?

Os principais desafios que eu venho enfrentando no meu percurso académico têm origem na minha condição social. Como mulher acima dos 40 anos de idade, mãe de uma pré-adolescente e imigrante, uma série de dificuldades são adicionadas àquelas que estão no caminho de doutorandas/os de maneira geral. Conciliar a vida doméstica num país onde não temos uma rede de apoio enquanto investigamos, publicamos e participamos de congressos, entre outras atividades, exige uma dose muito grande de resiliência.

Já no que se refere à investigação propriamente dita, uma barreira que me obrigou a adaptar o projeto inicial foi a falta de transparência das organizações públicas portuguesas em fornecer informações para a minha investigação. Apenas uma das nove organizações objeto de estudo respondeu aos meus contatos. Mesmo assim, a resposta foi negativa e não houve colaboração.

Que estratégias adotaste para responder a tais desafios?

Penso que na vida e, em especial, durante o doutoramento, é preciso ser gentil consigo mesmo… Aceitar o que não podemos controlar e gerir da melhor maneira possível o que depende exclusivamente de nós é o primeiro passo. No âmbito pessoal, as estratégias para contornar os meus desafios são disciplina na gestão do tempo. Para isso, tive de aprender a dizer “não” a muitos convites, o que é algo difícil para mim. Para aliviar o estresse recorro à atividade física. Também ajuda muito o apoio do Gabinete Psicológico da UBI, que frequento uma vez por mês. 

Já diante da indisponibilidade das organizações públicas em colaborar com a recolha dos dados que compõem o meu corpus de análise, defini, em conjunto com a orientadora, uma estratégia para ultrapassar esta barreira. Tive de reestruturar o meu projeto em nível metodológico. Inicialmente o projeto previa a coleta de dados nos websites e nas páginas no Facebook de três organizações públicas, durante o período de um ano, além da realização de entrevistas e de observação participante. A adequação do projeto implicou a ampliação das fontes de dados, que passou de três para nove, e do período de observação, que passou de um para três anos.

Durante a frequência do doutoramento, algum aspecto te surpreendeu positivamente? E negativamente? 

Segui com o doutoramento na mesma universidade onde fiz o mestrado, a UBI. Integrada à equipe do LabCom, unidade de investigação de excelência em Portugal, recebi todo o apoio necessário para desenvolver um projeto forte e uma candidatura apelativa que me renderam uma bolsa de doutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Outra característica a destacar é o apoio financeiro que o nosso doutoramento em Ciências da Comunicação disponibiliza, sem o qual eu não teria participado de congressos como ECREA, EUPRERA, IAMCR, SOPCOM e ICRCC, entre outros. 

Atualmente, dedicas-te exclusivamente à investigação?

Sim, em 2020, obtive uma bolsa de doutoramento pela FCT e, com isso, pude deixar o meu emprego para dedicar-me exclusivamente à investigação. Infelizmente, esta não é a realidade da maioria das/dos jovens investigadoras/es, o que leva a um elevado índice de abandono do doutoramento.

Como é que organizas o teu dia a dia de trabalho com a vida quotidiana?

Pela manhã, com a cabeça “fresca”, priorizo fazer aquelas atividades que me exigem mais intelectualmente, como leituras e análises. Para o período da tarde, deixo a pesquisa e a escrita. Uma vez por semana, gosto de ir à UBI ou a um café encontrar com colegas e professores. Sempre que possível, evito trabalhar aos finais de semana e foco em descansar e me divertir.

Imaginas o teu futuro ligado à investigação ou gostavas de conhecer outras áreas e enveredar por outros caminhos?

Com quase duas décadas de experiência profissional, já enveredei por muitas atividades no âmbito da comunicação. Trabalhei em rádio, agências, empresas privadas, organismos internacionais e governos. Agora empenho-me para que o meu futuro esteja ligado à área acadêmica em Portugal, seja na docência ou na investigação. 

Por que motivo participas no GT de Jovens Investigadores da Sopcom e o que mais gostas neste grupo?

O que mais gosto no GT de Jovens Investigadores da Sopcom, que coordenei entre novembro de 2019 e abril de 2022, é o espírito de colaboração que há entre os seus membros. Trata-se de um grupo de apoio mútuo em prol do desenvolvimento científico coletivo e da superação dos desafios individuais próprios dos estágios iniciais da carreira acadêmica. Recomendo fortemente a todas/os as/os mestrandas/os e doutorandas/os em Ciências da Comunicação de Portugal e dos países de língua portuguesa que participem.

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